sábado, 29 de abril de 2017

Rapper Criolo lança disco com dez sambas inéditos

O cavaquinho marca a batida do samba. Sobre ele Criolo solta: “Lá vem você com seus larará”. O rapper (cantor e compositor talvez tenha a abrangência mais adequada) comenta assim, numa piscadela irônica ao ouvinte, o que virá na meia hora seguinte: dez sambas inéditos, gravados com instrumental de samba, baseado (quase sempre) no universo poético do samba (chuva lá fora, gaviões cercando a moça, malandros sofrendo por amor), passeando por seus subgêneros (jongo, gafieira, samba de breque, samba rural). Lararás, enfim — lá vem Criolo.

— “Lá vem você” descreve muita coisa do que vi no meu bairro (Grajaú, em São Paulo). Cada rua dez botecos, cinco igrejas... A gente vê cada coisa. Os caras, amigos ou pais de amigos, ou estavam no subemprego ou eram desempregados escancarados — conta o artista. — Esse “larará” é muito a conversa que nasce daí, que por um lado fala da areia no olho, e por outro serve como acalanto, que aquece pra gente chegar no dia seguinte.

As dez faixas — oito compostas somente por Criolo, uma que ele assina com os parceiros Ricardo Rabelo e Jefferson Santiago e apenas uma que não é dele, “Hora da decisão” (de Rabelo e Dito Silva) — gingam entre a realidade da “areia no olho" e o acalanto que ajuda a sobreviver. Um jeito de corpo que não é estranho a Criolo — nem a seus raps nem aos sambas que ele já havia mostrado, como "Linha de frente" e "Casa de mãe"


— Samba e rap já crescem como irmãos. Falam do cotidiano de repressão de quem mora na favela. E têm esse tambor, a Mãe África. A pessoa ouve e quer dançar, chora, sente uma energia ancestral.

No disco, Criolo mergulha no vocabulário e na gramática do samba — com sotaque da tradição paulistana no gênero. Ao mesmo tempo, dá pistas de sua trajetória pelas quebradas do rap. A mais clara é “Cria de favela” — “Tava escutando Fela/ Na boca da minha janela/ (...) Moleque da biqueira/ Que tava no corre-corre”.

— A biqueira (boca de fumo) dentro de um calangueado rural é a força dessa energia ancestral mais minha vivência de quase 30 anos no rap. — avalia Criolo, que afirma compor samba como se estivesse numa batalha de rappers. — Nao fico criando rédeas, vou indo. Do jeito mais simples possível. Abre a boca, escancara o coração.

A energia ancestral do samba bateu pela primeira em Criolo pelos discos de seu pai.

— Tinha Martinho da Vila, Moreira da Silva, as coletâneas de samba rock... — diz, e como se a agulha da vitrola tocasse a memória, ele canta versos de “Olha o menino” (“Eu só quero que Deus me ajude/ E o menino também”, palavras que poderiam estar em “Espiral de ilusão”). — Mais velho, conheci a música de Benito di Paula, que gosto muito. Depois veio o Pagode da 27 (roda de samba do Grajaú), mas tudo começou nos discos do meu pai.

Criolo porém, prefere traçar seu caminho no samba de forma “impura”. Desde a origem: junto aos disco do pai, as fitas cassete da mãe (“Ali era Nat King Cole, Queen e Raul Seixas”, lista). E lembra a importância do baile para sua formação:

— As equipes de som tinham o que a gente chamava de “seleção”, um pouco de todos os gêneros. Hoje não tem a seleção, você tem que ir a um baile pra ouvir nostalgia, noutro pra ouvir samba-rock. Antes você escutava Marvin Gaye, depois Demônios da Garoa... Uma riqueza musical muito grande, sobretudo quando se tem 14 anos.

Criolo conta que essa foi a escola que desembocou em “Espiral de ilusão". O projeto começou a se desenhar antes de “Nó na orelha” (seu segundo disco, de 2011). Depois da estreia com um álbum de rap, ele queria um álbum de canções. A ideia original foi mudando até chegar ao formato híbrido de “Nó na orelha”, mas ele manteve viva a ideia de um trabalho totalmente fora do rap.

— Recentemente veio avalanche de emoções que já chegavam como sambas. Levei 30 para (os produtores) Ganjaman e Cabral, pra gente escolher. Mas no show (o lançamento no Rio será no Circo Voador, 2 e 3 de junho) tocaremos outras que ficaram fora.

A capa de Elifas Andreato — que já assinou trabalhos clássicos para Paulinho da Viole e Martinho, entre outros — reafirma o “larará” de Criolo:

— Ele chegou com uma pasta, cada coisa maravilhosa. E, debaixo do braço, um desenho redondo. Ele disse: “Esse é um presente, não é pro trabalho”. Esse que acabou virando a capa. Vejo como um guardião que quer proteger todo mundo.


Fonte oGlobo





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